O logoterapeuta



Mediador existencial.
O logoterapeuta auxilia no processo de existir do paciente, levando-o a refletir sua forma de ser no mundo, permitindo que ele se posicione; ele não diz onde nem como o paciente deve agir; sua parte é cumprir a função de mediador entre o sujeito e suas questões.

Ser para o outro. Isso está relacionado à ideia do encontro existencial e do vínculo terapêutico.


Respeito à pessoa. Vale sempre lembrar que essa identidade de mediador, ser para o outro com respeito, não se aplica apenas ao ambiente terapêutico, mas vale para a prática comum da vida. O respeito pode ser exemplificado nas crenças, indumentária, aparência, preferências, valores, hábitos, escolhas, decisões, enfim, no estilo de vida que o outro tem e com o qual se apresenta.


FUNÇÕES DO LOGOTERAPEUTA


Facilitador. O logoterapeuta deve criar abertura para que o paciente se expresse naturalmente. Às vezes perguntamos algo para o paciente e ele diz: “Não sei”. Isso pode parecer angustiante para o profissional, mas a nossa pergunta favorece uma abertura para que o outro dê sua opinião, e assim nos vemos facilitando a capacidade do outro falar e dizer o que pensa. Em muitos casos aquela pessoa nunca deu sua opinião sobre nada e se o fez foi tratada com críticas e censuras. Ao ser provocado, ele percebe que tem vontade e querer sobre aquilo que lhe diz respeito.


Alguém que escuta. Temos a influência da fenomenologia de Husserl com a ideia da epoké – suspensão de juízo sobre aquilo que o paciente diz e não diz, sobretudo aceitando aquilo que a pessoa coloca. Durante o atendimento devo ter cuidado para não tirar conclusões preconcebidas diante do comportamento do paciente, seja, pela sua fala, silêncio ou qualquer outra atitude.


Assumir o papel de observador. Não basta escutar o que é falado, mas também observar o que está acontecendo mesmo não sendo dito. Escutar e observar estão juntos na terapia; enquanto escutamos, observamos o tempo todo – o comportamento padronizado, a pausa na fala, o silêncio, o jeito de se sentar, os olhares, os tiques, o movimento das mãos e pés, enfim, tudo.


Comentarista. O psicólogo é alguém que dar feedback e deve fazer isso para o bem do paciente; no mínimo, que leve à reflexão. O terapeuta pode elogiar se o paciente foi bem na sessão, elogiar sua evolução. O espaço da terapia não é nosso, do ego, é do outro – paciente, onde ele pode ser ele mesmo sem medo de se expressar falando e mostrando no jeito próprio como ele é; mas isso não anula a fala e a expressão do psicólogo com seus comentários quando esses forem cabíveis.


Orientação. Orientar não é o mesmo que direcionar o que é melhor para o outro. O logoterapeuta nunca deve tirar o outro da sua posição de decidir por si mesmo. Mas ele pode dar uma base para que a pessoa tenha condições de tomar uma decisão mais assertiva, mais ponderada. “Na multidão de conselheiros há segurança” (Pv 11.14), diz o provérbio bíblico.


Todas essas funções acontecem entre pequenos intervalos e são quase simultâneas. Essas funções não acontecem necessariamente na ordem que está aqui; as coisas vão acontecendo e nos expressamos de um modo e de outro e de todos esses modos acima mencionados. Em determinados momentos cabe a escuta, em outros momentos cabe o processo de facilitação, e assim por diante. Note que o papel do psicólogo se expressa de muitos modos dentro da sessão.


MODELOS DE PSICOTERAPIA



O modelo vertical passa a ideia de que existe uma hierarquia na psicoterapia. Eu faço e você recebe. Nesse topo do “suposto saber” que tanto se fala, está o psicólogo, e embaixo, está o paciente. Nesse modelo, eu entendo e você capta o que tenho para lhe oferecer.


No modelo horizontal, o psicólogo diz ao paciente: “vamos descobrir isso juntos?”, “vamos tentar isso aqui?”, “o que você acha disso?”. É importante lembrar sempre que o paciente faz parte do processo. Tudo o que faço na terapia, faço junto com o outro. Não tem essa coisa de eu mando e o outro obedece. Não, é parceria. É claro que cada um exerce o seu papel, mas terapeuta e paciente estão no processo.


Modelo vertical. Nesse formato clínico, ao assumir uma postura de onipotência, o psicoterapeuta pode achar que ele domina o espaço terapêutico, que determina o que é melhor ou o que não é melhor para o outro... na verdade, ele esquece do outro, esquece que o paciente faz parte do processo terapêutico, que tem a sua liberdade e a sua categoria de valores. Por isso, eu não posso julgar o que é melhor para ele, sob pena de abusar do outro. Isso acontece, por exemplo, quando o terapeuta não quer dar alta para o paciente ou quer superar um problema pessoal através de um problema semelhante em seu paciente. Isso é abuso. O profissional não pode projetar seu problema no problema do outro. Ao dominar o espaço terapêutico, o psicólogo sufoca o paciente, impossibilitando que ele tome decisões, por ter sido engolido e manipulado, conduzido de um lado para o outro. O logoterapeuta é um facilitador, um orientador, mas nunca um dominador. Frankl dizia que todo erro técnico é ético, e todos erro ético é técnico.


Modelo horizontal. Esse é o modelo ideal de terapia do logoterapeuta; ele age com humildade porque não sabe quem é o outro e precisa conhecê-lo. Cada caso é singular, cada pessoa é única nesse processo, mesmo quando as demandas são semelhantes; preciso aceitar o outro nas suas dificuldades próprias, com receios e medos; eu acompanho o outro, estou ali próximo da pessoa, auxiliando e mediando existencialmente, mas estimulando a capacidade dela de decidir, entendendo que no final das contas é ela mesma que precisa tomar decisão, e assim me encontro existencialmente com o outro.


DEVERES


1. Deixar o outro falar e escutar. Escutar quando a pessoa fala, e não ficar pensando no que vai dizer, para não perder muitos fenômenos que estão surgindo ali. Enquanto analiso deixo de captar o fenômeno da forma que ele se apresenta e perco alguns vislumbres. Trabalhar com a perspectiva semi-diretiva não quer dizer que devemos dominar o espaço da sessão. Podemos e devemos falar, mas não dominar a fala. Não é aceitável que o paciente fale dez minutos, enquanto o psicoterapeuta fala quarenta minutos em uma sessão. Isso acontece quando o paciente é calado, incomodando com isso o terapeuta, e aí se inicia aquele pingue-pongue de perguntas e breves respostas. Cuidado para não assumir um lugar que não é seu na sessão.


2. Descartar aspectos orgânicos. A gente já trabalha com a ideia de que é um processo de somatização. Como disse Frankl, devemos olhar a pessoa na sua totalidade; isso quer dizer, por mais que a demanda pareça apenas psíquica, ela na verdade pode ser orgânica. Pacientes com dores, insônia, devem ser encaminhados para um profissional especializado; assim, se pode descartar aspectos orgânicos para poder trabalhar com a tese de que aquela é uma questão de ordem psíquica. Não assumir pressupostos com determinados sintomas e não descartar aspectos orgânicos, mas enviar para um profissional na área para que ele faça esse descarte.


3. Não criar mais temor. A pessoa vem com medo e com um diagnóstico, e o terapeuta diz: “Você terá que conviver com isso pelo resto da sua vida”. Aí ela fica com mais temor e pode até se afastar do processo terapêutico que nem começou. O psicólogo deve ter cuidado com o que escuta e como responde, para não desmotivar a pessoa no processo. Isso não quer dizer que precisamos negar os fatos nem mentir, mas saber se colocar, saber como e a hora de falar certas coisas ao paciente. A comunicação diagnóstica é muito importante e precisa ser feita de uma forma assertiva. Causar mais temor no paciente caracteriza um quadro de iatrogenia.


4. Falar com clareza. Não adianta nada falar para o paciente sobre o antagonismo psiconoético facultativo, se ele não sabe nada sobre isso. Ao invés de falar da força opositora do espírito diante do medo, dizer para ele tomar um posicionamento: “vai com medo mesmo”. Essa é uma forma de acionar o antagonismo psiconoético facultativo ou força desafiadora do espírito, como a gente costuma chamar. É importante conhecer os conceitos, tais como Frankl escreve, mas é importante também saber comunicar esses conceitos de forma clara e compreensiva ao paciente.


5. Não minimizar o sofrimento do outro. Isso pode acontecer quando se atende uma pessoa com faixa etária diferente da nossa. Por exemplo, quando se atende um adolescente ou um idoso, tenho que ter muito cuidado para não minimizar aquele sofrimento como sendo uma bobagem que não deveria fazer aquela pessoa sofrer. Não minimize o sofrimento do outro, pelo contrário, compreenda, acolha, entenda o contexto em que ele se manifesta. Se a pessoa traz aquela questão como sofrimento, é porque é doloroso. A realidade psíquica é realidade real.


ERROS A EVITAR


1. Maior interesse no transtorno que nas áreas intactas do paciente. Os manuais clínicos (DSM-TR e CID10), não alcançam a dimensão noética (intacta, saudável) que está além dos sintomas. Eu preciso ter uma clareza com relação aos sintomas, mas também preciso ter um olhar para a dimensão noética e saber como eu posso mediar e facilitar o processo de aparecimento, surgimento, manifestação, dessa dimensão espiritual, noética, que pode tornar-se acessível. Se, porventura o logoterapeuta não souber fazer isso, ficará preso nos sintomas.


2. Dar atenção excessiva aos reveses da vida do paciente. Focar nas desgraças e fatores de risco do paciente, impede que os fatores de proteção apareçam. As capacidades da dimensão noética e as potencialidades da pessoa não aparecerão se eu ficar enfatizando os reveses. Imagine que você esteja machucado e alguém vem e mete o dedo na sua ferida, vai doer horrores. Assim é quando o terapeuta fica dando destaque ao sofrimento do paciente.


3. Dar prognósticos negativos. Não é adequado que a gente coloque aquilo que não vai contribuir e agregar efetivamente, e sim trabalhar com o que for positivo. Os prognósticos na logoterapia precisam ser positivos sem deixar de ser realistas e verdadeiros. Se existe uma dimensão espiritual, ela pode favorecer a existência dessa pessoa.


4. Fazer diagnósticos sem explicar as dimensões práticas. Qual a importância de receber um diagnóstico e não saber o que fazer com ele? O que adiante ter um diagnóstico de bipolaridade ou transtorno de ansiedade e não saber as implicações disso? Seria apenas um rótulo patológico. Então, devo ter cuidado para não dar diagnóstico sem explicar as implicações práticas. Se necessário, chame a família do paciente para fazer esses esclarecimentos. A família pode ser inimiga no processo terapêutico ou uma grande parceria no processo e na sequência.


5. Permanecer em silêncio nos momentos errados. Às vezes a gente não sabe o que falar quando o paciente espera um feedback. O psicólogo nem sempre está preparado para todos os momentos da sessão. O que fazer? Pedir que a pessoa fale mais sobre o assunto até você se recompor; outra ideia é fazer anotações durante a sessão para evitar esses furos na fala. Portanto, cuidado com o silêncio em momentos errados ou falar qualquer coisa que leve o paciente a perceber que não estamos sendo precisos ou assertivos no que estamos falando.


6. Expressar interpretações a priori e hipóteses incertas. Não fale em diagnóstico se você não tem certeza. É melhor você segurar. O paciente pode cobrar, mas você não deve se precipitar, antes, deve dizer que ainda está avaliando a situação. Não fale de coisas que você não sabe. A pressa diagnóstica pode prejudicar ao seu fazer clínico e ao paciente.


SEU PAPEL


1. Proximidade e distância. Algumas questões no atendimento são bem delicadas. Uma delas é a proximidade e a distância. Trabalhar com uma perspectiva de encontro existencial nos aproxima muito da pessoa atendida, mas precisamos saber manter uma distância saudável para o bem do processo terapêutico. Tem que haver bom senso.


2. Comunicar e reservar. Se eu tenho uma hipótese diagnóstica e ela ainda não foi confirmada, eu vou reservar essa informação. Isso não significa que estou mentindo; estou sendo cauteloso, sabendo que esse tipo de informação tem implicações fortes para o paciente. Não comunique algo do que você não tem segurança. Além disso, não basta comunicar quando esse momento chegar, mas também saber como comunicar.


3. Interessar-se no tu. Eu preciso está interessado no outro – ser para o outro, ter “curiosidade” pela história do outro. Pode acontecer que nessa predisposição de mostrar interesse pela pessoa, não surja vínculo com ela. Não se cobre por isso, mas não deixe a pessoa sem assistência; se você não quer ou não pode atender aquela pessoa, encaminhe-a.


4. Desvelar a essência. Nem sempre a queixa inicial expressa a real demanda do paciente. O diálogo socrático e outras técnicas podem favorecer que surja a essência das coisas; isso tem uma base fenomenológica: a essência do sujeito, a essência da demanda. Nosso papel é chegar à essência das coisas e não ficar na superficialidade. O que chega até nós, está apenas na esfera da superficialidade, apenas no psicofísico. Hoje, todos chegam com “ansiedade”, mas essa ansiedade tem uma essência e eu preciso chegar na causa.


5. Ajudar aquele que sofre. Devo ter em mente que a pessoa que acompanho está em sofrimento e eu preciso ajudá-la. Às vezes até entramos em um embate com a nossa ética pessoal sobre o que a pessoa fez ou quer fazer. De duas uma: acolho ou encaminho. Se o terapeuta tem uma relação vertical objetal com o paciente, ele não ajuda ao que sofre.

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