Conceitos fundamentais da logoterapia

Homem andando por um caminho.

Na segunda parte do livro “Em busca de sentido”, Viktor Frankl explica sua doutrina terapêutica como costumava fazer em praticamente todos os seus livros. A logoterapia é focada no sentido e sua ênfase está no futuro, não no passado, ainda que não o ignore como um causador de neuroses. Como psicoterapia essa abordagem psicológica chama a atenção da pessoa para o presente e para aquilo que ele pode desenvolver em relação ao seu futuro.

Diferente de outras abordagens psicológicas, a logoterapia confronta o paciente com o sentido de sua vida e o reorienta para ele. Quando a pessoa toma consciência desse sentido, ela se capacita a superar a neurose.

O termo “logoterapia” vem da palavra grega “logos” e significa “sentido”! Portanto, a logoterapia, concentra-se no sentido da existência humana e na busca por este sentido que é a principal força motivadora no ser humano.

A vontade de sentido

É fundamental a busca por um sentido na vida. Não se trata de uma “racionalização secundária” nem de impulsos instintivos, mas de um sentido exclusivo que cabe a cada pessoa cumprir. É esse importante sentido específico que satisfará a vontade de sentido da pessoa. Isso se aplica a cada indivíduo indistintamente. Quando alguém vive com sentido, é capaz de suportar qualquer coisa, inclusive de morrer por ele. A vontade de sentido é um desejo genuíno em cada pessoa, é algo inerente do ser humano. Uma vida sem sentido induz a pessoa para a frustração existencial.

Frustração existencial

O que é frustração existencial? É a falta de sentido na vida. Mesmo sabendo que a vontade de sentido é inerente ao ser humano, é importante dizer que ela não acontece automaticamente. Exatamente por isso é que muitos têm uma existência frustrada. Mas não para aí; a frustração existencial não é neutra, ela pode resultar em “neuroses noogênicas” que se contrastam com as habituais neuroses psicogênicas. Neuroses noogênicas não se originam no psicológico, mas na dimensão “noológica”, palavra que que vem do grego “noos” e significa “mente”, o que é próprio da existência humana. Neurose noogênica é um conceito logoterapêutico que designa especificamente a dimensão humana.

Neuroses noogênicas

Neuroses noogênicas surgem de problemas existenciais, principalmente a frustração da vontade de sentido e não de conflitos pulsionais. Em casos noogênicos, a logoterapia é a psicoterapia adequada por penetrar na dimensão especificamente humana.

Noodinâmica

Noodinâmica é a dinâmica de uma vida com sentido, e uma vida com sentido não acontece sem tensão, porque tensão é própria de uma vida com sentido. Muitas pessoas buscam uma vida sem tensão achando que com isso terão melhor qualidade de vida, mas a tensão é indispensável para a saúde mental.

Uma vida com sentido pode causar tensão interior e isso faz bem. Quando se tem um sentido, uma meta, um significado na vida, há uma mobilização entre aquilo que já se alcançou e aquilo que ainda deveria alcançar, e isso gera tensão. Mas é essa dinâmica entre o que se é e o que deve vir a ser que mobiliza, motiva e dinamiza a vida. Essa tensão não é nociva, pelo contrário, é indispensável à saúde mental porque é inerente ao ser humano. Tentar frustrar isso é tirar da pessoa o seu potencial latente para viver com sentido na vida. Todos precisam de um objetivo pelo qual valha a pena viver.

A Noodinâmica, portanto, é exatamente a dinâmica existencial em cumprir o sentido que é próprio de cada indivíduo, o qual é dinâmico, mutável e intransferível. Toda tensão advinda disso é saudável e não deve ser vista como patológica, porque não se trata de uma ansiedade sem sentido, mas de uma dinâmica com significado. Isso vale não apenas para pessoas “normais”, mas também para pessoas neuróticas. Não é a tensão proveniente da dinâmica da vida que nos faz mal, é a falta de sentido; essa sim, nos joga em um “vácuo existencial”.

O vazio existencial

Viktor Frankl fala do vazio existencial como resultado da nossa perda de alguns instintos animais básicos que regulam o comportamento do animal e asseguram sua existência. O ser humano perdeu essa segurança primitiva proporcionada pelos instintos e agora precisa fazer escolhas e tomar decisões. Além disso, vem perdendo o apoio das tradições que serviam como referência de comportamento. Assim, sem a segurança dos instintos primitivos e o apoio das tradições que se diluem cada vez mais rápido, o ser humano moderno não sabe mais o que quer da vida e se torna facilmente massa de manobra, se conformando à vontade de alguns ou se submetendo ao querer de outros.

O vazio existencial é uma realidade inegável de nossos dias em que muitos vivem num estado de tédio. Schopenhauer dizia que a humanidade oscilaria entre dois extremos: a angústia e o tédio. Atualmente as pessoas vivem tão automatizadas que já não sabem o que fazer com o tempo livre. Não é por acaso que correm em vão atrás de poder e prazer na tentativa de preencher o vácuo existencial que não acontecerá enquanto as pessoas desconhecerem o sentido de suas vidas.

Sentido da vida

Cada pessoa tem o seu próprio sentido da vida, não porque ela o cria, mas porque a vida se apresenta para cada indivíduo de modo peculiar dentro de uma dinâmica que pode mudar constantemente ou com frequência. Ninguém deve ficar preocupado com o sentido da vida de uma maneira generalizada, mas no sentido de sua vida a cada momento. Cada um tem o seu próprio sentido e isso é insubstituível e intransferível.

Sobre o sentido da vida não somos nós que a questionamos, mas ela a nós. A vida nos responsabiliza por nós mesmos e devemos responder a ela.

A essência da existência

A logoterapia preza pela responsabilidade pessoal e traduz isso em um imperativo categórico: “Viva como se já estivesse vivendo pela segunda vez, e como se na primeira vez você tivesse agido tão errado como está prestes a agir agora”. Esta máxima nos chama para a responsabilidade e mostra que o presente é passado, que o passado pode ser alterado, e que cada um é responsável pelo que faz de sua vida, escolhendo perante “que” ou perante “quem” ele se julga responsável.

Frankl diz que o papel de um logoterapeuta é antes o de um oculista que de um pintor. O pintor mostra na tela uma imagem do mundo como ele o vê; o oftalmologista nos ajuda a enxergar o mundo como ele é na realidade. O logoterapeuta tem a função de ampliar a visão do paciente de modo que todo o espectro de sentido e potencial se torne consciente e visível para ele.

Como criatura responsável, o ser humano encontra o sentido da vida dedicando-se a uma causa ou amando uma pessoa, é assim que ela se torna mais humana e mais realizada. Frankl chamou essa característica de “autotranscendência da existência humana”. A essa dedicação para fora, para algo ou para alguém, ele chamou de “autorrealização”, que acontece como um efeito colateral da autotranscendência.

O sentido da vida pode ser alterado, mas não eliminado; e podemos descobrir isso de três maneiras: 1) criando um trabalho ou praticando um ato, que é o caminho da realização já considerado anteriormente; 2) experimentando algo ou encontrando alguém; 3) pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável. A segunda e a terceira serão comentadas em seguida.

O sentido do amor

Somente através do amor é possível conhecer a essência de outro ser humano, captar o íntimo de sua personalidade e vê o potencial daquilo que ela pode ser. E mais do que ver, a pessoa que ama capacita a pessoa amada a realizar suas potencialidades. Na logoterapia, o amor não é visto como fenômeno de impulsos e instintos, mas como um fenômeno primário do ser humano.

O sentido do sofrimento

Podemos encontrar sentido na vida em qualquer circunstância, mesmo quando não há esperança de mudança. Quando não podemos mudar uma situação de sofrimento, podemos mudar a nós próprios, fazendo com que o sofrimento de certo modo deixe de ser sofrimento no instante em que encontramos um sentido nele, mesmo que esse sentido seja de sacrifício.

Segundo a logoterapia, “a principal preocupação da pessoa humana não consiste em obter prazer ou evitar a dor, mas antes em ver um sentido em sua vida”. Quando isso acontece, ela é capaz de sofrer sob tal condição, porque encontrou um sentido. Isso não quer dizer que é preciso sofrer para encontrar sentido, mas que o sentido é possível a despeito do sofrimento, caso ele seja inevitável. O sentido da vida envolve tudo, inclusive o sofrimento. Enfim, a vida só faz sentido quando faz sentido vivê-la em qualquer situação que ela nos coloque.

Problemas metaclínicos

O que mais incomoda as pessoas são problemas humanos e não tanto sintomas neuróticos. Muitas pessoas que hoje buscam um tratamento psicológico ou psiquiátrico teriam procurado um pastor, sacerdote ou rabino em épocas 
anteriores. Agora elas recusam fazer isso e perguntam ao psicólogo: "Qual é o sentido da minha vida?"

Um logodrama

Participando de um logodrama com um grupo de mulheres, a certa altura Frankl perguntou para o grupo inteiro se um macaco fosse picado e utilizado para produzir soro contra poliomielite se ele saberia disso. Naturalmente todos responderam que não. Depois ele fez a seguinte pergunta: E como é com a pessoa humana? Vocês acham que em nosso mundo tudo acaba ou será que existe um outro mundo que tem a última palavra?

O super sentido

De acordo com a logoterapia, o super sentido ultrapassa a capacidade intelectual finita do ser humano. Isso não é o mesmo que suportar a falta de sentido da vida, mas, “suportar a incapacidade de captar em termos racionais o fato de que a vida tem um sentido incondicional. O logos é mais profundo que a lógica”.

Para Frankl, não se pode negar o efeito terapêutico da fé de um paciente firmado em suas convicções religiosas. E como deve proceder um psicoterapeuta que trata com um paciente que se ancora na fé? Frankl responde: “colocando-se no lugar do paciente”. Ou seja, mesmo não crendo na dimensão do super sentido, o profissional da psicologia deve entrar nesse universo, quando nele se encontra o seu paciente.

A transitoriedade da vida

Se o sentido é inerente à vida humana como de fato o é, vale dizer também que esse sentido pode ser frustrado, e muitas coisas contribuem para isso, entre elas o sofrimento e a morte. Na transitoriedade da vida, o ser humano tem suas potencialidades, que quando realizadas, se transformam em realidades e entram no passado onde ficam salvas e resguardadas da transitoriedade. “Isto porque no passado nada está irremediavelmente perdido, mas está tudo irrevogavelmente guardado”.

O fato de termos uma vida transitória não tira dela o seu sentido. Porém, pelo fato de nossas potencialidades serem transitórias é que devemos ser responsáveis pela vida que temos. Estamos constantemente diante de opções que podem ser concretizadas e imortalizadas na realidade ou condenadas ao esquecimento. O monumento da nossa existência depende da escolha que fazemos o tempo todo.

Tudo o que vivemos no tempo transitório, abarrota os celeiros do nosso passado e nunca jamais serão eliminados, de bom e de mal, de alegria e sofrimento. Nada pode ser desfeito ou eliminado. Como disse Frankl: “Ter sido é a mais segura forma de ser”. A logoterapia não é pessimista diante da transitoriedade da vida, pelo contrário, ela é ativista. Um jovem tem possibilidades pela frente, um velho tem realidades em seu passado que nunca serão desfeitas. Por isso, ele agradece.

Logoterapia como técnica

Entre outras técnicas da logoterapia, Frankl menciona a
derreflexão, indicada para hiperreflexão / hiperintenção quando a pessoa fica excessivamente focada em si mesma. A técnica consiste em desviar a atenção de si pela autotranscendência.

Uma outra técnica logoterapêutica é a
intenção paradoxal, aplicada em casos de ansiedade antecipatória, fobia e obsessão. Essa técnica é facilitada quando usada com humor. Existem outras técnicas.

Neurose coletiva

Neurose coletiva ou neurose de massa refere-se ao
vácuo existencial, outra forma de niilismo, que caracteriza a nossa época, assim como em tempos passados houve outras neuroses que identificavam aqueles períodos. A logoterapia é uma psicoterapia para esse tempo.

Crítica do Pandeterminismo

Por pandeterminismo, diz Frankl, “refiro-me à visão do ser humano que descarta a sua capacidade de tomar uma posição frente a condicionantes quaisquer que sejam”. O ser humano não é completamente livre de condicionantes, mas também não completamente condicionado e determinado; ele pode determinar se cede ou não aos condicionamentos, se muda ou não muda a cada momento. Existem condicionantes biológicos, psicológicos e sociológicos, mas nenhum impede que o indivíduo decida, faça escolhas e se supere para melhor.

O credo psiquiátrico

Nenhum condicionante pode tirar completamente a liberdade de uma pessoa, seja em caso de neurose ou mesmo de psicose, onde o mais íntimo cerce de sua personalidade não pode ser atingido. Frankl dizia: “Um indivíduo incuravelmente psicótico pode perder sua utilidade, mas conservar a dignidade de um ser humano”.

Reumanizando a psiquiatria
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Por muito tempo a psiquiatria tentou interpretar a mente humana como um mecanismo e a terapia da doença mental simplesmente como uma técnica. Mas a psiquiatria deve ser humanizada. O paciente não é uma máquina, mas um ser humano que está por trás da doença. O ser humano se determina a sim mesmo - é ele que faz a si mesmo, podendo se portar como porco ou como santo. Tudo depende de decisões e não de condições.

Este artigo trata da segunda parte do livro “Em Busca de Sentido”, de Viktor Frankl. Se você quiser ler sobre a primeira parte, leia: Em busca de sentido, e, se quiser ler sobre a terceira parte do mesmo livro, leia: O otimismo trágico. Boa leitura!

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