Ao considerar uma abordagem psicoterápica, observe sua visão de homem e sua filosofia de vida. Todas as psicoterapias existentes têm uma teoria antropológica e uma filosofia de vida implícita; todas se firmam nessas duas bases. A questão é saber se a visão de homem de determinada abordagem está certa ou errada.
Observe se a humanidade do homem se mantém preservada ou se foi descartada ou substituída por outra coisa. Um psicólogo que adere ao “modelo da máquina”, ou ao “modelo do rato”, como disse Gordon Allport, está negligenciando o caráter do homem.
Quando o homem se julgava uma criatura, via sua existência como a imagem de Deus, seu Criador; mas, quando começou a considerar-se criador, passou a avaliar a existência humana como uma máquina.
A logoterapia se sustenta em três pilares: a liberdade da vontade, a vontade de sentido e o sentido da vida. A liberdade da vontade vai contra a maioria dos saberes que têm no determinismo (pandeterminismo) sua visão de homem. A logoterapia não defende o indeterminismo, pois sabe que o homem é um ser finito e lida com condicionantes que lhe impedem ser completamente livre. Porém, o homem é livre para tomar uma atitude diante de quaisquer que sejam as condições que lhe forem apresentadas.
Ninguém nega que o ser humano está sujeito a limitações, contingências e determinações, sejam elas biológicas, psicológicas ou sociológicas; mas é verdade também que esse mesmo ser humano é capaz de resistir corajosamente às piores situações, distanciando-se de si mesmo (autodistanciamento) através de determinação e humor. Esse nível de capacidade é unicamente humano.
O autodistanciamento implica em afastar-se não apenas de uma situação difícil, mas de si mesmo, com o intuito de tomar decisão diante de seus condicionantes. A pessoa que assim procede se mostra livre e responsável por si mesma. Assim, o que importa não são os condicionantes, mas a capacidade humana de posicionar-se diante deles e abrir-se para uma nova dimensão - a noética, distinta da biológica e da psicológica. É na dimensão noológica que os eventos humanos devem ser localizados. A dimensão noética pode ser chamada de dimensão espiritual, sem a conotação teológica, assim como “sentido”, “logos” aqui significa “espírito” – mas sem a conotação religiosa.
Portanto, a dimensão noética consiste na capacidade humana exclusiva de ter consciência própria e elevar-se sobre si para julgar e avaliar as próprias ações e a própria realidade em termos morais e éticos. Privar o ser humano dessa capacidade singular – a consciência, é tratá-lo como um cachorro que molha o carpete e esconde-se debaixo do sofá com o rabo entre as pernas, temendo as consequências condicionantes. O ser humano não pode ser rebaixado ao reducionismo subumano pseudocientífico sem consciência que ignora o caráter humano.
Alguns fenômenos capacitantes são exclusivamente humanos, como, o amor, a consciência, o autodistanciamento e a autotranscendência, que é a capacidade de transcender a si mesmo em direção a um outro ser humano e à busca do sentido.
Então, qual a causa do reducionismo? Por que nos últimos séculos o ser humano tem sido reduzido a processos condicionantes? Para Viktor Frankl, isso tem a ver com os efeitos da especialização científica. Vivemos em um tempo de especialistas e eles são necessários para a sociedade, mas não devemos perder o sentido de universalidade. O especialista pode perder de vista a floresta da verdade e enxergar apenas as árvores dos fatos. A questão não é a especialização, mas a generalização a partir da especialidade. Se cairmos nesse reducionismo, a biologia vira biologismo, a psicologia se torna psicologismo, a sociologia se torna sociologismo, e assim por diante. Se cairmos nessa tentação, cada especialista vai começar a fazer generalizações exageradas em seu campo limitado.
Falando ainda de reducionismo, não podemos conceituar o homem como “nada mais que um complexo mecanismo bioquímico, alimentado por um sistema de combustão que leva energia a computadores com prodigiosos recursos de armazenamento de informação codificada”. Essa analogia faz sentido para o sistema nervoso central, por exemplo. Mas, o homem “é bem mais que” e não “um nada mais que”. Infelizmente, o antigo niilismo continua no atual reducionismo que perdeu a unidade do homem no pluralismo científico. Tal unidade, composta pela multiplicidade do corpo e da mente, não pode ser achada na superfície da biologia nem da psicologia, mas procurada na dimensão noológica na qual o homem foi inicialmente projetado.
A logoterapia, conforme seu criador Viktor Frankl, tem uma visão completa do homem sem negar sua complexa multiplicidade envolvendo o biológico, psicológico e noológico. A logoterapia não é contra as especializações, mas afirma a importância da universalidade do conhecimento científico. Por essas e outras razões é que a logoterapia defende uma visão holística do homem.
Veja também: Dez teses sobre a pessoa.
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FRANKL, Viktor E. A vontade de sentido. Fundamentos e aplicações da logoterapia. São Paulo: Paulus, 2011. (Implicações metaclínicas da psicoterapia).