Em busca de sentido

Homem cabisbaixo, sentado.

“Em busca de sentido” é um best-seller de Viktor Emil Frankl, escrito em 1945 no espaço de nove dias. É a história de um campo de concentração visto de dentro, contada por um dos seus sobreviventes que chegou ao ponto de fazer uma estimativa de cinco por cento de chance de sobreviver. O autor descreve suas experiências como prisioneiro durante anos em quatro campos, onde seres humanos eram tratados com crueldades em locais de extermínio. Frankl tem algo a nos dizer com base em suas experiências. Como ele conseguiu encarar a vida como algo que valia a pena preservar?

Quando os repórteres pediam a opinião de Frankl para o sucesso desse livro, ele respondia que não via nisso sucesso, mas uma expressão da miséria dos nossos tempos. Um livro que é procurado por falar do problema do sentido da vida, mostra o quanto as pessoas estão queimando por dentro, dizia ele.

Muitos livros já foram publicados contando os fatos nos campos de concentração. “
Em Busca de Sentido” é um estudo psicológico com base nas experiências das pessoas envolvidas. É um relato dramático que os próprios envolvidos não conseguiam explicar com detalhes e com consequências permanentes. A psicologia exige distanciamento científico para que se faça uma observação isenta dos fatos. Mas, como aquelas pessoas poderiam se distanciar de experiências tão cruéis? Isso equivale dizer que o leitor tem sua própria maneira de destilar as experiências compartilhadas pelo autor.

Três fases no campo de concentração

Frankl fala de três fases no campo de concentração: a primeira fase foi da recepção no campo, uma recepção chocante que humilhava, pilhava, torturava e matava; a segunda fase foi da dita vida no campo de concentração, e, a terceira fase fala da vida após a soltura, ou melhor, a libertação do campo.

Primeira fase

Depois do terror inicial, a maioria foi tomada por algo inesperado: humor negro! Sabendo que nada mais tinham a perder a não ser uma vida ridicularmente nua, começaram a fazer gracejos de si mesmos e uns dos outros, ficaram curiosos e surpresos com a maldade que sofriam e passaram a ter diversas reações. Como médico, Frankl concluiu que os compêndios mentiam ao ver que ele e os outros presos superavam o que estava escrito nos livros sobre o limite da resistência humana, e comprovou com seus companheiros o que disse Dostoievski, que o ser humano a tudo se habitua.

Segunda fase

As reações da primeira fase começaram a se alterar depois de poucos dias e os presos entraram na segunda fase de uma relativa apatia (mecanismo necessário de autoproteção psicológica), onde as pessoas iam morrendo aos poucos interiormente. Nessa fase, surgiu uma indizível saudade dos familiares, nojo da fealdade que viam em si e nos outros, desleixo interior e indiferença; toda expressão de sensibilidade era reprovada pelos Capos (guardas), e isso fazia com que aos poucos fossem morrendo os sentimentos normais diante das constantes atrocidades.

Arte, humor, fé e amor

Apesar da baixa qualidade de vida que cada dia se acentuava, os presos não perdiam a essência da dignidade humana, mesmo que nem todos fossem capazes de suportar. Muitos preferiam o “fio” - se jogarem na cerca de arame farpado e morrerem eletrocutados. Contudo, eles falavam de política, religião, cantavam, faziam teatro improvisado, contavam piadas, se consolavam pensando nas coisas boas antes da prisão, nas pessoas amadas e no desejo de realizarem o que queriam depois que saíssem dali. Quando queriam um alívio, praticavam a “fuga para dentro de si”, um princípio da logoterapia, o autodistanciamento. Contemplar o entardecer, a beleza do pôr do sol, o voar de um passarinho, revigorava a vida anímica daquela gente.

A liberdade interior

Alguém pode pensar em liberdade para presos que vivem em um campo de concentração? Frankl viu e provou que mesmo no campo de concentração nada é capaz de privar alguém da liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às condições dadas. Como disse Dostoievsky: “Temo somente uma coisa: não ser digno do meu tormento”. Algumas pessoas na prisão experimentaram essa liberdade interior, a qual não se pode perder. Essas pessoas podiam dizer que foram “dignas do seu tormento”, porque junto ao sofrimento há uma conquista, que é uma conquista interior. Essa liberdade que ninguém pode tirar do ser humano, permite-lhe até o último suspiro configurar a sua vida de modo que tenha sentido.

Frankl desenvolveu o seguinte pensamento: o sentido não está apenas numa vida ativa que concretiza valores de forma criativa; o sentido não está apenas no gozo da vida, na experiência da arte e do belo, mas também em circunstâncias de sofrimento, como num campo de concentração onde sua vida está por um fio a todo instante. Se em tal situação a pessoa não pode ser livre para viver criativamente, ela pode configurar o sentido da existência com suas atitudes diante da restrição forçada que lhe é imposta. Não é apenas o gozo que tem sentido, o sofrimento também tem sentido porque faz parte da vida, inclusive, a morte.

Poucos mantiveram sua plena liberdade interior, mas, mesmo que fosse apenas uma pessoa – bastaria como testemunho de que é possível ser mais forte que seu destino exterior, e isto vale para qualquer situação e não apenas em um campo de concentração.

“A emoção que é sofrimento deixa de ser sofrimento quando dela formarmos uma ideia clara e nítida”
(Espinoza).

A liberdade interior tem estreitas relações entre o estado emocional de uma pessoa e as condições de imunidade do organismo; tudo está interligado. A entrega súbita ao desespero e ao desânimo tem efeitos fatais na vida. Daí a importância de viver com sentido, como disse Nietzsche: “Quem tem por que viver aguenta quase qualquer como”. Aqueles que não viam mais nenhuma meta diante de si, logo sucumbiam.

A viravolta pelo sentido da vida

A questão não é o que temos de esperar da vida, mas o que a vida espera de nós. Nas palavras de Viktor Frankl: “viver não significa outra coisa que arcar com a responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida, pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida a cada indivíduo, pelo cumprimento da exigência do momento”. E mais: “o sentido da existência, altera-se de pessoa para pessoa e de um momento para o outro”. Quando Frankl perguntou para um preso o que ele havia feito para se livrar do inchaço do corpo por causa a fome, ele respondeu que tinha se curado chorando. O que se aprende com isso é: quando você não esperar mais nada da vida, importa saber que a vida espera algo de você.

Terceira fase

Nessa última fase, Frankl fala da psicologia do prisioneiro recém-liberto. Falando da psicologia da guarda, os guardas do campo, Frankl diz ter aprendido naqueles anos que “existem sobre a terra duas raças humanas e realmente apenas essas duas: a "raça" das pessoas direitas e a das pessoas torpes. Ambas as "raças" estão amplamente difundidas.

Os presos se conheceram mutuamente de tal maneira, que seria difícil imaginar outro modo para tal exposição. O que é, então, um ser humano? É o ser capaz de decidir o que quer ser, pendendo para o bem ou pendendo para o mal.

Finalmente, certa manhã tremulou a bandeira branca no portão do campo. Como os presos se sentiram? Cheios de alegria? Não. A passos lentos os companheiros se arrastaram em direção ao portão do campo. Ao saírem pelo portão começaram a experimentar coisas novas: não ouviram nenhuma voz de comando, ninguém recebeu nenhum soco ou pontapé. Estavam livres, mas não se sentiam livres, acostumados a tanto tempo de opressão. A nova realidade ainda não conseguia penetrar direito no consciente. O conhecimento não atingia os sentimentos e o mundo continuava sem causar impressão. Desaprenderam o sentimento de alegria. Precisavam, aprender de novo a alegrar-se. Psicologicamente, eles foram despersonalizados. Somente depois de muitos e muitos dias começaram a soltar a língua e algo dentro deles. “O corpo não tem tantas inibições como a alma”.

“Na minha angústia, clamo ao SENHOR, e ele me ouve” (Salmos 120.1).

Existem muitos empecilhos entre a tensão psicológica do campo de concentração e a paz da alma. Frankl atribui isso a “descompressão” repentina, o equivalente psicológico à doença de Caisson. Sair repentinamente de um ambiente opressor para um ambiente livre pode provocar vertigem, ainda mais se os envolvidos não tiverem estrutura interna para isso. Pessoas nessas condições, ao se verem livres, facilmente experimentam amargura nos relacionamentos e decepção com tudo.

“Essa experiência do libertado, é coroada pelo maravilhoso sentimento de que nada mais precisa temer neste mundo depois de tudo que sofreu - a não ser seu Deus” (Viktor Frankl).

Este artigo trata da primeira parte do livro “Em Busca de Sentido”, de Viktor Frankl. Se você quiser ler sobre a segunda parte, leia: Conceitos Fundamentais da Logoterapia, e, se quiser ler sobre a terceira parte do mesmo livro, leia: O otimismo trágico. Boa leitura!

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